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Certamente o tema mais polêmico de todo padrão da raça Fila Brasileiro, e não seria diferente com o OFB, é no tocante ao temperamento.
Desde o primeiro texto elaborado sob comando de Paulo Santos Cruz, em 1952, até os últimos textos de padrão, a exemplo do padrão CBKC 2016, tenta-se definir uma representação para esta manifestação de comportamento do nosso cão. A partir do primeiro texto, em grande parte, criou-se um mito de que o FB seria uma raça inteiramente à parte de todas as outras, não lhe cabendo quaisquer teoria, estudo ou conhecimento científico.
Durante anos, décadas, este conceito de raça única – como se fosse uma espécie diferente – não permitiu que se estudasse esta raça com mais profundidade, em quesitos como sistema nervoso e instintos de guarda, ou que se lhe atribuísse conhecimentos validados cientificamente, sobre todas as outras raças de guarda do mundo. Estabeleceu-se, para avaliação de temperamento – e por conseguinte como condução nos processos de reprodução – algumas “provas”, nas exposições, que se denominou prova de temperamento.
Somente em épocas recentes tem se questionado, ou aceitado questionar, estas chamadas provas, com fortes argumentos técnicos de que elas na verdade, pouco provam. O resultado dos equívocos do passado, a que fomos todos submetidos por mestres de pouco conhecimento no assunto, tem sido um grande fracasso no comportamento de cães, em seleção de muitas gerações. O processo seletivo, buscando selecionar e tornar os cães “puros” para o fator temperamento, pode ter levado a tornar muito deles “puros” para um temperamento negativo: muita defesa e pouca coragem.
Não cabe aqui buscar culpados ou identificar quem cometeu erros no passado. Sabemos que só se iniciaram estudos de forma mais sistemática sobre sistema nervoso, instintos de guarda e manifestações de comportamento dos cães de guarda, por volta de 1951, na Alemanha. Os equívocos aconteceram por falta de conhecimento e de materiais científicos disponíveis no Brasil, até à década de 1970.
No entanto, estamos nos propondo a abrir aqui um amplo debate sobre o tema, onde podemos divulgar vídeos e comentá-los com base técnica e científica, buscando elevar o nível do debate, para ganho de todos.
Sabemos que algumas pessoas ou agremiações fogem ao debate, fugindo à verdade, da realidade em suas “casas”. Mas é nossa proposta, enveredar pelo assunto e buscar a verdade, para podermos conduzir nosso plantel.
Se acaso, na busca desta verdade, algumas pessoas ou agremiações se sentirem ofendidas, queremos deixar claro que não é nossa intenção. Não sabemos tudo sobre o assunto, mas temos consultores especializados no tema e buscamos mais especialistas para nos ajudar a conduzir o assunto. O texto do nosso padrão, a respeito do tema “Temperamento”, praticamente pouco inova, com relação a outros, pelo fato de que ainda não temos estudos suficientes para conduzir uma mudança drástica no texto. Mas estamos dispostos a fazê-lo no futuro, mediante comprovações de que se deva fazê-lo. E já estamos nos abrindo para este futuro.
Segue nosso texto e comentários, para início de conversa.
TEMPERAMENTO
De notável valentia e coragem, caracteriza-se pela ojeriza a estranhos, no entanto de tradicional fidelidade ao dono e familiares, para o quais é extremamente afetuoso, meigo e obediente. Em consequência, é inexcedível guarda de propriedades, sendo também utilizado, com sucesso, na lide do gado, onde demonstra plenamente sua coragem e bravura. Seu temperamento pode ser classificado como Enérgico: “De reações prontas, na medida exata do estímulo, voltadas para o trabalho a que se destina”.
Quando criado livremente nas fazendas, demonstra forte domínio territorial sobre a área da “sede” da propriedade, sem, entretanto, se mostrar desnecessariamente agressivo, sabendo guardar maior agressividade em defesa do território quanto mais invasiva for a ação de estranhos à propriedade.
Quando criado em propriedades urbanas e em canis, com a função de guarda, e em convívio restrito com a família, desenvolve o instinto de guarda de forma excepcional. Exercerá a guarda com redobrado vigor, jamais tolerando a presença de estranhos em seu território, mesmo que diante dos proprietários.
Como resultado do seu temperamento, nas exposições muitas vezes o Fila ataca o juiz, e via de regra, não permite que este o toque. Tal atitude apenas confirma suas características de temperamento, não devendo ser considerada como falta.
Nas provas de temperamento realizadas obrigatoriamente nas exposições, o Fila deverá defender o condutor, de forma espontânea e sem revelar dependência, jamais recuando diante de agressão simulada. Quando não estimulado, permanecerá tranquilo e autoconfiante sob a condução do proprietário, revelando sistema nervoso de elevado limiar.
Os cães de fazenda poderão ser avaliados in loco, para efeito de autorização para acasalamento e reprodução.
No padrão do Original FB, lembramo-nos de contemplar os cães de fazenda.
Confira, logo abaixo (podcast), os comentários acerca do tema do criador, adestrador e praticante de schutzhund Marcelo Castro, Canil Puri Moreno, Ubá/MG:
Em seguida, veja o que tem a dizer o Sr. Antônio Carlos.
Os relatos contidos na postagem abaixo são de autoria do Sr. Antônio Carlos Linhares Borges
Os cães da raça Fila Brasileiro eram tradicionalmente criados em bandos nas fazendas, e os visitantes podiam ser recebidos nas sedes com tranquilidade. O instinto de guarda se manifestava no momento que estranhos chegavam, mas, posteriormente, ao serem recebidos pelos donos, eram deixados em paz pelos cães, em geral. Os fazendeiros se orgulhavam desta característica de seus cães e diziam: “Pode chegar, agora. Eles já viram que está comigo”. E repreendiam qualquer tentativa dos cães de fazerem guarda, até que todos se acomodavam.
Atualmente vemos os cães serem criados exclusivamente para guarda, refletindo-se a insegurança das metrópoles, sendo treinados e condicionados desde a mais tenra infância para agredir indiscriminadamente qualquer pessoa que adentre o território.
Acima, matilha na fazenda de Pedrinho do Engenho na década de 1950, e à direita o cão Danúbio ao ser registrado pela equipe de árbitros do Cafib, por volta de 1980, e sabiamente aprovado, embora não demonstrasse qualquer sinal de guarda na nossa presença. Não há como testar o temperamento de cães criados à solta, com raras exceções. O cão Danúbio, a despeito de seu comportamento indiferente a estranhos, ao ser acasalado com a cadela Urá de Paraibuna, gerou excelentes filhotes de temperamento de guarda, ao serem criados no meio urbano.
Acima, cães da criação de Juca de Luizinho, em Malacacheta, MG, 1980. À esquerda, criados à solta, o cão Falcão (registrado em exposição pelo Cafib) e uma cadela da fazenda, receberam muito bem ao meu filho Daniel. Seu Juca dizia: "agora que já chegaram comigo, pode ter confiança". À direita, foto de cães da mesma linhagem com pessoal da fazenda. A observação atenta de nossa chegada não os leva a atacar sem motivos, e isso era considerado elemento importante na seleção dos animais, revelando equilíbrio. Estariam os fazendeiros errados? Hoje, estes comportamentos poderiam ser interpretados como falta de temperamento.
Para o Original Fila Brasileiro, vamos estudar mais sobre esta questão. Exacerbando-se o comportamento reativo e a percepção de ameaça nas seleções, não estaremos alterando o cão?
Acima, matilha de cães de Pedrinho do Engenho, que originaram a criação José Gomes.
Acima, matilha com origem na criação José Gomes, quase um século depois.
As fotos acima foram retiradas em uma visita em Varginha, 2010, na propriedade do Sr. Aladir (já falecido), que, casado com neta do Sr. José Gomes, herdou desde o casamento três cães presenteados pelo próprio fazendeiro. Os cães permaneciam soltos na fazenda em matilha. Ao chegarmos, eu (Antônio Carlos Linhares Borges) e Marcelo Castro fomos vigorosamente repelidos pelos cães, até à chegada do dono. Cerca de meia hora depois de sermos recebidos, e na presença do dono, os cães se tornaram tranquilos com nossa presença. Observe uma das cadelas com o pelo do dorso um pouco arrepiado com minha presença; vigilante, porém obediente ao dono, não atacou.
Orgulhosamente Sr. Aladir nos garantiu não ter motivos para temer : “fique tranquilo que comigo aqui eles me respeitam”. Em um momento em que ficamos (eu e Marcelo) sozinhos na sala da casa, me senti vigiado pelo lado de fora, com olhares desconfiados e rosnados em tom baixo e grave, especialmente de duas fêmeas mais dominantes. Com a volta do “seu Aladir”, todos se acalmaram novamente.
É importante nos perguntarmos se não estaremos alterando a propensão a este comportamento respeitoso com os donos. Recentemente um amigo e juiz da raça me reclamou de um cão ainda jovem que ganhou filhote, ter estranhado sua esposa e posteriormente ter rosnado para ele mesmo, o que o fez dispor do cão. Não creio que este seja um comportamento normal do Fila Brasileiro. Até onde sei, não precisávamos tratar esta raça com forte controle de dominância humana. Minha família sempre conviveu com meus cães, assim como amigos da casa. Nunca precisei evitar os folguedos de todos com eles, e nunca tivemos demonstrações de desrespeito. O que não impedia de cães como Poguaçu ou Pungirum do Caramonã, se tornarem exemplos de braveza nas exposições do Cafib e Unifila.
Já tenho ouvido relatos de proprietários que seus cães não toleram que qualquer pessoa, mesmo de casa, se aproxime quando o dono está junto ao animal e lhe toque. Isso é indício de problemas. Ao se selecionar acasalamento de cães com esta propensão, estamos selecionando problemas. A isto, se soma o conceito de que o F.B. não deve ser adestrado – diga-se dominado.
Acima, a então jovem Sra. Rosemari Chalmers, com a matriarca (cadela) Mariazinha, que se comportava como animal de fazenda, recebendo bem as visitas após a recepção pelos donos na casa.
Esta matriarca que gerou tão bons cães para a raça Fila Brasileiro, se fosse nos dias de hoje, talvez não chegasse a obter um RI.
Acima, em uma apresentação que organizei para juízes do Cafib, quando o clube se iniciava, por volta de 1980, em Teófilo Otoni. Galã e Loba II eram cães de fazenda, criação de Juca de Luizinho, Malacacheta, MG. Como na análise de temperamento realizada para RI, os cães não tiveram reação alguma diante “daquela luvinha” do juiz, o proprietário dos cães quis “mostrar o que é temperamento” e organizou uma demonstração. Conseguimos um boi bravio, de chifres, para a demonstração. Ao perceber a agressividade do animal, tendo o peão entrado no curral, os cães rapidamente passaram ao agarre, contendo o boi, demonstrando coragem e determinação.